sábado, 7 de janeiro de 2012

O Sapo pós-moderno

Esta história eu escrevi faz bastante tempo e coloco aqui.(Escrevi em 2007, eu acho que em maio).É apenas um pouco de ironia astrológica.

Aqui vai uma historinha...
...pós-moderna.
Perdoem a irreverência.
Eliane Carmanim Lima

Era uma vez um sapo pós-moderno. Ele vivia tranqüilamente num brejo que já estava poluído. Mas era um sapo globalizado que sonhava em sair do brejo e ganhar outras margens. Um dia em que ele estava sonhando acordado chegou um escorpião também pós-moderno e pediu-lhe para ajudá-lo a atravessar o brejo. O sapo disse que não iria fazê-lo, porque já conhecia aquela história, mas o escorpião insistiu e disse que até já tinha feito muitos anos de análise e mudado muito e que não queria morrer e se ele desse uma ferroada no sapo era o que aconteceria. Ele ainda acrescentou que tinha nestes anos todos aprendido a ser feliz e que agora tudo o que ele queria era ir para o outro lado do pântano.
O sapo sonhador ao ouvir que seu brejo era um pântano se deixou convencer, porque aquilo era viver um pouco o sonho, mas ainda cético reclamou: não estou num bom trânsito atualmente, sei não!
-Qual teu signo perguntou o escorpião:
-Touro, ascendente câncer e lua em peixes!
-Então a gente combina!
O sapo acabou se dando por vencido e começou a travessia com o sapo a tiracolo, mas a lenda se repete como uma maldição e o escorpião no meio do caminho dá uma ferroada no sapo indefeso. O sapo ainda olha para o escorpião entre decepcionado e chocado e diz:
-Mas escorpião, vamos morrer os dois! E a tua análise?
-Não sei, é a minha natureza! Talvez se eu tivesse feito neurolinguística teria me convencido de que eu era diferente ou talvez eu devesse ter continuado com o Prozac, ou quem sabe ainda eu podia ter feito regressão e me livrado desta sina! E tu sapo que já sabias, como caíste nesta?
-É que eu andei me envolvendo com um grupo que militava pela inclusão social e achei que tinhas que ter uma chance!
Estas foram as últimas palavras do sapo antes de sumir já com o veneno entrando na circulação pelo brejo poluído! E o escorpião começa a entrar em pânico e se dá conta tarde demais da asneira que fizera e com isto ele dá conta da fábula que fala de sua natureza: ele sempre se arrepende tarde demais! Seus últimos pensamentos foram para o analista e a raiva que lhe dava o dinheiro gasto nas infindáveis sessões.
Mas como o sapo era pós-moderno, mas ainda não suficientemente globalizado, já tinha tomado antídoto, porque lhe tinham assustado com a possibilidade de morrer de tanta coisa que estava já vacinado e preparado. O veneno não foi mortal e ele só ficou um pouco manco das pernas que lhe permitiria pular e no desespero de se salvar acabou chegando à outra margem que tantas vezes desejou alcançar sempre sem coragem. Sim, ele estava com um mau trânsito e perdeu a capacidade de saltar! Mas acabou agradecendo ao escorpião, porque graças a ele acabou por fim vencendo o medo e chegou a outra margem (que sua natureza mais lenta provavelmente lhe impediria). Lá ele viu que seu brejo era apenas um brejo poluído e que mais adiante havia sim outro pântano maior e mais assustador e por isto muito mais tentador! Passou o resto de sua vida sonhando e esperando que algo lhe permitisse saltar mais além, sempre responsabilizando o escorpião da sua sorte e da sua desgraça. Não conseguiu ir além, limitou-se a justificar-se nas ações dos outros. Morreu infeliz, fez uma tatuagem de um escorpião na perna esquerda para marcar ainda mais a experiência, mas com a lembrança de uma aventura e uma saudade : do friozinho na barriga do dia que se deixou convencer e saltou para o desconhecido, saudades de seu algoz e de seu libertador e daquele momento mágico.
PS: se fosse na antiga história haveria um final do tipo moral da história, mas aqui eu conjeturo:
1) se o sapo também fosse de escorpião a história teria dois finais prováveis, num morrem de fato os dois no meio do lago, porque o sapo escorpião também se ferra! Mas mais provável é que ele levasse o escorpião e o afogasse no meio da viagem, para surpresa do outro. Invariavelmente isto levaria a uma crise profunda até que o sapo conseguisse se libertar das lembranças e transformar-se em um ser já livre do ego.
2) se o sapo fosse sagitariano ou quem sabe capricórnio não teria ido para o brejo e há muito tempo já teria atravessado o pântano e talvez até o oceano. Além disso, não teria aceitado receber ordens de ninguém e teria saído na frente.
3) e se fosse aquariano talvez tivesse aberto caminho para outros sapos irem além também e teria saído num rompante sem esperar ninguém !
Como esta não é uma história astrológica e nunca foi levada em questão a psicologia do sapo, que foi considerado sempre um ator secundário, ele apenas vive um papel passivo, em qualquer versão da história. Talvez seja hora de começarmos a ver a história com outro olhar e recontá-la desde outro ponto de vista. Hoje faríamos um final interativo do tipo: “você decide” e provavelmente acabariam de achar um final feliz e o sapo encontraria no outro lado seu grande amor que o salvaria da maldição de morrer precocemente e sozinho. Estes finais parecem não mudar ao longo dos anos, mas provavelmente ele se apaixonaria por alguém do mesmo sexo e ninguém falaria nada para seguirmos a dinâmica do “politicamente correto”, elemento que não nos permitiríamos na outra história. E se o final escolhido fosse este não haveria princesa que o transformasse e ele seria o grande agente de sua transformação e coragem! Mas com certeza os cientistas sociais começariam a reivindicar ao sapo um papel de relevância na história. Mas no fim a história acabaria mostrando o que sempre mostrou: o escorpião e sua natureza imutáveis como convém a uma fábula e ao mito e particularmente este, ou seja, a moral da história se manteria!
Notas:
Um escorpião me disse uma vez que o escorpião da história não se arrependeria, mas aí eu me lembrei da moral da história e de uma característica dos escorpiões: “eles morrem pela boca”.
Este mesmo escorpião me disse que o capricórnio já teria dragado o pântano e eu me lembrei do que os astrólogos falam de capricórnio, mal compreendido, principalmente pela visão escorpianina, ele poderia é ter feito disto a missão de sua vida, de preferência para salvar o brejo inteiro e aí já o teria atravessado há muito tempo sem precisar de um estímulo plutoniano! (E se mandasse dragar o brejo seria para alcançar o oceano, para não escolher o que é mais fácil simplesmente).
E é claro que quem assina a história é curiosamente capricorniana!

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