quarta-feira, 25 de março de 2015

Em defesa dos animais nas religiões de matriz africana no RS

Está em discussão polêmico projeto que visa impedir o favorecimento de praticantes de religiões de matriz africana quanto ao uso de animais em rituais religiosos e a seguir gostaríamos de apresentar alguns argumentos em defesa desses animais.
Em primeiro lugar é preciso ressaltar que não há liberdade de culto no Brasil, apenas liberdade de crença. Mesmo que na norma conste liberdade de culto, na prática vários grupos religiosos não são contemplados com a liberdade de vivenciarem suas crenças e tradições religiosas.  Desta maneira, vários grupos sabatistas que guardam o sábado nem sempre conseguem ser liberados de aulas, trabalho e mesmo concursos que ocorrem no dia de sábado. Judeus e muçulmanos em várias situações não têm opção de escolha de alimentação, como em  escolas públicas ou mesmo em hospitais. Judeus e muçulmanos até podem comprar carne proveniente de abate conforme os preceitos de sua religião, mas se um judeu se hospitalizar ou mesmo fizer serviço militar obrigatório não terá esta opção. O mesmo ocorre em escolas públicas onde alunos judeus, muçulmanos e adventistas (ou mesmo veganos), não têm opção de escolha de cardápio de acordo com suas crenças ou opção de consciência.Lembrando que a Constituição também contempla a opção de consciência como direito fundamental a ser respeitado. Da mesma maneira no Brasil, mórmons, cuja tradição mais radical permite o casamento com mais de uma mulher, não poderão exercer este preceito, pois bigamia é crime no Brasil.
Igualmente é crime a poluição sonora e apesar do conflito jurídico entre liberdade religiosa e danos ambientais NENHUM grupo religioso poderá fazer um culto desrespeitando as normas ambientais e será vedado rituais de qualquer religião que se exceder na poluição sonora. Assim um templo evangélico deverá moderar sonoramente seus cultos e serão barrados e multados se forem fonte de poluição sonora aqueles que excederem os decibéis permitidos, mesmo que em sua igreja sejam em grande número de fieis.
Agora é importante apontar alguns equívocos no teor das discussões atuais. Aqui não discutimos sobre tradição, mas não podemos deixar de comentar que várias tradições têm sido extintas a partir da transformação da sociedade e mesmo as touradas que já existiram aqui em Porto Alegre começam a acabar em várias localidades. Não somos contra nenhum grupo ou pessoas, ao contrário, concordamos que todas as conquistas sociais e a liberdade de expressão e de crença são bens que devem ser valorizados e preservados. Tampouco faz sentido dar um tom preconceituoso à nossa luta, por isto aqui nos manifestamos, pois quem está generalizando nossa luta de defesa dos direitos animais são os que nos atacam desconhecendo nossas reivindicações e as generalizações são o molde dos preconceitos.
Muitos de nós militamos em outras causas como nos direitos humanos, defendendo minorias e também o meio ambiente.  A lei atual não é a única que recebeu nossas críticas e nossa militância, porque também nos opusemos a outras normas como a lei que visava “regular” a cavalgada, porque defendemos não só os cães e gatos que ainda são os animais mais protegidos em nossa cultura, mas defendemos a todos, seja o cabrito, a galinha ou sapo assim como muitos de nós defendem minorias, assim como muitos de nós fazem parte de minorias, sejam minorias por etnia, minorias de gênero, identidade e orientação sexual, ou muitos outros grupos de pessoas que não tem voz.
            Reconhecemos que a grande maioria defende apenas alguns animais, ainda sem perceber a crueldade para com muitos animais, mas neste manifesto em favor do PL 21/2015, afirmamos que também censuramos o churrasco da quermesse dos cristãos e para nós não há diferença entre o animal confinado para ser transformado em oferenda e os que recebem a insensibilização na hora da morte para virar o churrasco da quermesse, mas não podemos permitir que se legalize mais um sofrimento quando o próprio direito se transforma acompanhando a cultura, proibindo a crueldade para com os animais no Brasil e no mundo. Muitos de nós que conseguimos nos libertar do condicionamento cultural que permite o sofrimento de muitos animais, já fomos agentes de sofrimento de animais e muitos até já participaram de situações e mesmo atividades religiosas onde animais foram usados, mas hoje já existem várias gerações de famílias que não aceitam mais a naturalização de sofrimento de animais seja na alimentação ou mesmo na religião.
         Sabemos que todas estas práticas sociais são fruto de um longo condicionamento cultural, por isto há reação e resistência da parte de alguns segmentos, mas estamos vivendo uma grande revolução que já se manifesta na norma brasileira que proíbe a crueldade para com animais desde 1988 com a Constituição Federal, mesmo que muitos ainda não se apercebam da crueldade na castração de um filhote de vaca que será confinado para ser servido no churrasco da quermesse, por força de hábitos culturais. Mesmo entre nós  muitos ainda não tiveram tempo de refletir sobre estes condicionamentos culturais que sustentam tanta violência, em especial para com várias espécies de animais, e mesmo o preconceito que afeta várias pessoas em várias situações. Estamos aprendendo a construir uma nova forma de viver na sociedade e muitos não tiveram tempo para refletir sobre conceitos mais arraigados. Na realidade somos todos vítimas desta lógica cultural hipócrita que só se apercebe da crueldade para com alguns animais. Não aprovar esta norma é retrocesso jurídico que é vedado no direito, além de ratificar um preconceito, pois dá direitos especiais apenas para um grupo religioso.
            Reconhecemos que os praticantes das religiões de matriz africana, conjuntamente com algumas minorias religiosas, têm sido grandes vítimas de preconceitos, de segregação, de discriminação e mesmo violência seja no passado a partir do grupo dominante, como no presente da parte de alguns grupos mais preconceituosos, em especial de algumas comunidades religiosas que tentam impor suas crenças, e gostaríamos e frisar que não são estas as nossas motivações!
            Repetimos que nossa luta não é contra grupos religiosos, e aqui reside nossa grande diferença, porque não estamos unidos contra os PRATICANTES DAS RELIGIÕES DE MATRIZ AFRICANA, ou mesmo contra os que silenciosamente praticam a crueldade e exploração de animais no churrasco da quermesse da igreja cristã.  Muitos de nós já somos defensores das grandes conquistas sociais que hoje garantem a liberdade de expressão e liberdade de crença, assim como somos contrários aos preconceitos religiosos, aos preconceitos de gênero, identidade e orientação sexual, bem como preconceito de classe e etnia e mesmo preconceito etário, ainda bastante comum em nossa sociedade. Nossa luta não é contra as pessoas ou grupos, mas estamos unidos por estes que não podem se defender e queremos que as demais espécies sejam igualmente respeitadas e tenham direito à liberdade, e a viverem conforme as demandas sua espécie. Estamos na realidade incluindo mais um grupo de seres sem voz, nas categorias de direitos, numa busca de dignidade inclusiva para as vítimas de nossa(s) cultura(s), porque partimos do princípio de que estes animais não existem para nosso bem-estar, e os defendemos por seu valor intrínseco quer  sejam gato, cachorro, cabrito, galinha ou sapo.
            Sabemos que não somos a maioria, e nosso movimento é plural como os demais, mas somos o número que mais cresce no Brasil e no mundo e estamos em todos os espaços e grupos, mesmo que em minoria.
            Em relação a este projeto percebemos muitas vezes um tom de ameaça e intimidação , e mesmo preconceito, sem que se preocupem em ouvir nossos argumentos mais amplos e complexos como esta ideia de uma alargamento da esfera de direitos para além das diferenças de espécie e pelo valor inerente a todas as espécies  vítimas da exploração humana. O mesmo artigo na Constituição que defende a liberdade de crença também inclui direitos a objeção de consciência e mesmo que nem todos entre nós façam parte de grupos historicamente discriminados, nossos ideais têm sido rechaçados pelo pensamento dominante e não temos espaço e direito a escolher não participar da crueldade e exploração de animais nos produtos e serviços essenciais que precisamos consumir e participar  Mesmo assim é importante repetir que nossa militância não é contra nenhum grupo, mas por estes que não podem se defender.
Reconhecemos que há grupos que ainda são coniventes com o sofrimento de alguns animais por força da cultura que naturalizou muitos hábitos cruéis para com os (demais) animais, mas cada vez mais há um número crescente de pessoas que se opõem a estas práticas, mas isso não deslegitima que sejam contrários à legalização de uma norma que materializa o sofrimento de alguns animais.  Hoje estamos espalhados em vários grupos sociais e em nossa pluralidade somos de várias etnias e religiões; somos também ateus, brancos, negros, indígenas, homens e mulheres, gays, lésbicas, travestis, de todas condições físicas e mentais, de todas as escolaridades; somos pobres e ricos, jovens e idosos. Estamos em todas as classes sociais e profissões e muitos de nós já são filhos destes que nos atacam, porque cada vez somos em maior número. Já estamos no parlamento brasileiro e até no Supremo Tribunal Federal já tivemos assento, porque cada vez mais pessoas deixam de usar animais na alimentação, no vestuário, nos transportes e recusam-se a usar produtos que significam seu sofrimento, seu confinamento e sua privação de liberdade. Este movimento cresce aceleradamente e não há decreto, nem súplica religiosa que possa impedir que o movimento siga crescendo no Brasil, no mundo e no Rio Grande do Sul, por isto nos manifestamos na defesa deste projeto de lei que visa corrigir uma injustiça, um retrocesso jurídico que permite o sofrimento de animais ao favorecer um grupo religioso .

 Porto Alegre, 25/03/2015.









Uma breve nota : este texto foi escrito por uma socióloga com algum conhecimento jurídico e não quis aqui debater as polêmicas questões filosóficas que a questão suscita. Resta concordar que nossa sociedade é elitista, classista, racista, sexista, homofóbica,gordofóbica, etc,  e como muitos praticantes das religiões de matriz africana são negros, muitas vezes a polêmica chega a adotar tons mais racistas e aqui não nego a vulnerabilidade do movimento negro, em especial no Brasil, mas não me autorizo a falar desse movimento, mesmo para defendê-lo, como gostaria, porque não tenho legitimidade para tal, apenas posso agir na defesa dos negros, dos indígenas e de muitos oprimidos e excluídos, mas não posso falar deste lugar. E sim é preciso reconhecer que vivemos ainda na esteira de preconceitos religiosos, marcados com muita intolerância. Mais que isso, não me tomo como legítima nesta defesa, pois não vivi na pele o preconceito de etnia, nem religioso; apenas o preconceito de classe que nem me tem identificado como membro desta minoria de classe baixa, porque minha formação acadêmica me dá um álibi para transitar em "sociedade" como se da elite fosse. Só teria legitimidade para falar do que é ser mulher numa sociedade machista e ainda poderia falar do preconceito etário, porque envelheço numa sociedade adulto-jovemcêntrica e circulo entre jovens e percebo a invisibilidade do deste preconceito que ainda paira nas profundezas de nossas discriminações. Mas isto é papo para outro dia quando eu falar sobre isto. Escrevi isto para dizer que o texto tem mais uma conotação jurídica do que filosófica e para dizer que não somos contra os praticantes de religiões ou cultos de qualquer espécie que se utilizam de animais, por quaisquer razões, mas porque simplesmente queremos defender todas as espécies de animais de todas as formas de exploração e se possível todos os explorados e oprimidos ( aqui assumo o singular), mas no conflito entre explorados, os animais são os mais vulneráveis diante de nosso poderio e supremacia nesta terra que também é deles.

sexta-feira, 6 de março de 2015






Nesta palestra, Melanie Joy, Ph.D., psicóloga, professora de sociologia da Universidade de Massachusetts, e autora do livro “Por que amamos cães, comemos porcos e vestimos vacas", explica os mecanismos existentes por trás do hábito de comer carne.