domingo, 30 de julho de 2017

Anamorfose do dia 20 de julho de 1969 , 48 anos depois



Anamorfose de um dia
Dia 20 de julho de 1969

            O ano de 1969 ficaria na história como a data em que o primeiro homem alcançou e pisou na lua cravando uma bandeira americana no solo lunar como uma marca de uma guerra que atingia o mundo todo, envolvendo duas ideologias antagônicas e dois grandes impérios: Estados Unidos e União Soviética.

A URSS tinha chegado primeiro na batalha pela conquista do espaço ao lançar no espaço Yuri Gagarin, mas em julho de 1969, os EUA ganharam pontos quando Neil Armstrong caminha pela lua e é televisionado e transmitido para várias localidades. Mesmo no Brasil o evento foi transmitido ao vivo pela Globo graças ao desenvolvimento tecnológico da Embratel que vendera o link à emissora. No Brasil o acontecimento teve uma audiência de 41%. Naquele ano a Globo passou a assumir a liderança em audiência no Rio e São Paulo em dez programas.  Neste episódio a Globo também estava dando um grande salto ao apresentar os primeiros passos do primeiro homem na Lua:
            “Antes da missão espacial, a Globo distribuiu um anúncio intitulado “O Brasil estará a bordo da Apollo 9” em nome das Emissoras Associadas e Rede Globo de Televisão: “Você assistirá a todos os lances do espetacular voo da Apollo 9, desde o seu lançamento em Cabo Kennedy, o audacioso acoplamento no espaço, até a sua emocionante descida no Pacífico. Você estará participando de todos esses acontecimentos no mesmo instante em que eles estarão ocorrendo. Trezentos milhões de televisores, espalhados pelo mundo inteiro, estarão acompanhando esse feito maravilhoso, no maior ‘pool’ mundial de televisão. Oito dias de transmissão direta da Apollo 9 para o Brasil inteiro: Rio, São Paulo, Belo Horizonte, Porto alegre, Curitiba, Recife, Vitória, Belém, Fortaleza, Salvador, Goiânia, Brasília, Juiz de Fora e Bauru, comandados pela TV Globo. ”[1]


            Como a emissora mesmo comenta, ela ali já estaria se preparando para outro grande sucesso de audiência quando ocorreria a copa mundial que trouxe mais uma vitória ao Brasil no ano seguinte.
            Na guerra fria que se passava mais silenciosa no Brasil e em vários países da América do Sul, uma guerra ocorria na surdina onde presos políticos, ou suspeitos de subversão, sorrateiramente aprisionados, eram torturados, mortos e desapareciam sem que seus familiares soubessem seu paradeiro. Nas torturas, que envolviam mulheres, religiosos e mesmo crianças, os torturadores especialistas em crueldades físicas e psíquicas, buscavam nomes, datas, locais e possíveis comunistas e atentados e da resistência ao golpe instalado no Brasil desde 1964. Como nos EUA, que também participou com expertise no golpe e ditadura brasileira, a caça era contra os comunistas e o regime comunista que já fora instaurado na URSS e em Cuba e provavelmente neste dia até os torturadores tiraram uma pausa para assistirem ao vivo o grande sucesso do governo americano, marco do capitalismo ocidental, e ponto para a potência capitalista nesta guerra fria, que na sua versão mais escondida nos países latino-americanos, perseguiu não somente o fantasma do comunismo, mas a democracia nascente no Brasil.
Aqui no Brasil, foi em julho de 1969 que surge a operação OBAN composta pelo exército brasileiro no combate às organizações de esquerda durante o regime militar. Esta operação seria financiada por grandes empresários de São Paulo e empresas multinacionais, com apoio da Federação das Indústrias (Fiesp). Há registros de contribuição financeira e apoio material por parte de bancos como o Bradesco e Mercantil de São Paulo, das automobilísticas Ford e GM e dos grupos Ultra (Ultragás) e Folha, que emprestava carros de entrega de jornais para camuflagem dos agentes da Oban. Nesta operação o governador e o prefeito de São Paulo também ofereceram apoio com locais para as “operações” e policiais militares, delegados, agentes e escrivães da Polícia Civil. Isto serviria de modelo para criação dos Destacamentos de Operações de Informação, os DOI-Codi que se converteriam nos centros do terror do Estado no Rio de Janeiro, Recife, Brasília, Curitiba, Belo Horizonte, Salvador, Belém, Fortaleza e Porto Alegre.
            No mesmo contexto da Guerra fria, a Guerra do Vietnã, desenvolvia-se nos territórios do Vietnã, com a intervenção americana que tentava impedir que o comunismo se alastrasse naquele país. Richard Nixon era o presidente americano num período de protestos e manifestos contra esta guerra e por direitos civis.




Foi neste clima que neste exato dia 20 de julho um jovem, Ken Love, põe fogo em seus papeis de convocação para a guerra no Vietnã como contestação.





            Naquele mesmo dia Gloria Maria Aspillera Diaz (Aringay, atriz filipina, coroada como Miss Universo 1969 em Miami Beach, Estados Unidos.




            Naquele período faziam sucesso as seguintes músicas nas “paradas de sucesso”:


As Curvas da Estrada de Santos - Roberto Carlos

Aquele Abraço - Gilberto Gil

Hoje - Taiguara

Aquarius/Let The Sunshine In - 5th Dimension

País Tropical - Wilson Simonal

Get Back - Beatles

Mustang Cor de Sangue - Marcos Valle

Sugar, Sugar - The Archies

I Started A Joke - Bee Gees
10º
F... Comme Femme - Adamo
11º
Que Pena - Gal Costa & Caetano Veloso
12º
Charles, Anjo 45 - Jorge Ben e Caetano Veloso
13º
Sentado à Beira do Caminho - Erasmo Carlos
14º
Crimson And Clover - Tommy James & The Shondells
15º
Sua Estupidez - Roberto Carlos
16º
Traces - Classics IV
17º
Tudo Passará - Nelson Ned
18º
Proud Mary - Creedence Clearwater Revival
19º
Casa de Bamba - Martinho da Vila
20º
Eu Disse Adeus - Roberto Carlos
            Neste mesmo período vários artistas que começavam a ser presos e já eram censurados, buscam exílio fora do país.











            Esta era a grande tônica dos anos 1969, a polarização entre EUA e URSS, a Guerra do Vietnã, consequência da Guerra Fria, violações de direitos humanos nos países latino-americanos, e o recrudescimento da ditadura, com tortura, censura e repressão a quem se opusesse ao regime ou que ameaçasse denunciar o que acontecia nos estabelecimentos onde estas gravíssimas violações de direitos humanos aconteciam.
            Isto aconteceu há exatamente 48 anos, desde aquele “pequeno passo para um homem e um grande salto para a humanidade”, mas os passos na direção de uma democracia madura e legítima ainda não estão ao alcance de muitos, mesmo que nada se compare àquelas violações de direitos, mas em 20 de julho de 2017, vemos novas ameaças de perdas de direitos em âmbito nacional em vários estados e municípios a ponto de  fazer sentido mencionar um projeto do governador Sartori de levar o exército às escolas.
            Hoje os EUA miram outros planetas e avançam numa escalada de primazias, ainda protagonista de muita desigualdade social, e se um dia se dizia o país da democracia e da liberdade ( de expressão), hoje vive um regime de exceção, assumido desde 11 de setembro de 2001, e o Brasil que abriga uma Constituição prenhe de direitos sociais, vive um desmembramento destes direitos conquistados à custa do sofrimento destas vítimas dos tempos da ditadura e de muitos outros que têm lutado para compartilhar estes direitos.

            Algumas imagens do período
Florestan Fernandes a caminho do Canadá em 1969











Referências:
DHNET. Linha do Tempo dos Direitos Humanos Brasil. Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/tempo/tempo_br.htm#19691960>. Acesso em: 20 jul. 2017.
DITADURA, Memórias da. Linha do Tempo-Memórias da ditadura. Disponível em: <http://memoriasdaditadura.org.br/linha-do-tempo/>. Acesso em: 20 jul. 2017.
60, Linha do Tempo Anos. Linha do Tempo - anos 60 - mundo. Disponível em: <http://linhadotempo60.blogspot.com.br/2008/05/1969-mundo.html>. Acesso em: 20 jul. 2017.
60, Linha do Tempo Anos. Linha do Tempo - anos 60 - Brasil. Disponível em: <http://linhadotempo60.blogspot.com.br/2008/05/1969-brasil.html>. Acesso em: 20 jul. 2017.
YOUTUBE, Túnel da Música Brasil -. Os 40 maiores sucessos de 1969. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=DN8Fcm6eAsI>. Acesso em: 20 jul. 2017. 


Texto produzido a partir de uma disciplina de História do Brasil com a professora Caroline Bauer- UFRGS em 2017
 




[1] GLOBO, Rede. CHEGADA DO HOMEM À LUA. Disponível em: <http://memoriaglobo.globo.com/programas/jornalismo/coberturas/chegada-do-homem-a-lua/a-bordo-da-apollo-9.htm>. Acesso em: 20 jul. 2017.

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