segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Porque devemos aprovar o PL 367/2013 que obriga o uso de rótulos de "testado em animais"

Prezados deputados estaduais do RS,

Está em votação na Assembleia Legislativa do RS um projeto de lei, LEI Nº 367/2013, de autoria do deputado estadual Paulo Odone, que obriga a utilização de rótulo de “TESTADO EM ANIMAIS” em produtos de higiene pessoal ou de limpeza fabricados no RS, bem como da matéria prima de produtos aqui comercializada.
Neste contato escrevemos aos deputados em nome de pessoas que solicitam urgente aprovação deste projeto apresentando alguns argumentos para apreciação de vossas excelências[1].
Em primeiro lugar é preciso tecer considerações acerca da grande mudança cultural que propiciou a demanda deste tipo de rótulo. Os preceitos jurídicos são reflexos da sociedade e não o contrário, assim à medida que a sociedade se modifica, modifica-se também sua legislação e há um crescente apelo contra a crueldade animal. Até algumas décadas, estava naturalizada em nossa sociedade a ideia de que podíamos usar os animais a nosso bel prazer, mas isto tem mudando aceleradamente nos últimos anos e estas mudanças estão materializando-se na legislação. Desde a primeira norma jurídica que deu proteção aos animais em 1945 com um decreto de Getúlio Vargas, nossa legislação tem refletido esta tendência cada vez mais e na Constituição Federal de 1988 a crueldade com animais passa a ser proibida e mais tarde é considerada crime. Atualmente está em fase final de aprovação uma mudança na direção de maior rigor punitivo ao crime de crueldade com animais no Novo Código Penal. Tanto é verdade que seria exaustivo colocar aqui outras inúmeras normas que têm sido aprovadas em âmbito federal, estadual e municipal propondo cada vez menos crueldade com os animais e mesmo a proibição definitiva do uso de animais em várias situações já materializadas em lei.
Estes argumentos partem principalmente de um viés sociológico, porque não é preciso argumentar sobre o prisma da legislação brasileira que coibir o sofrimento de animais já faz parte da Constituição Federal, assim como o direito dos consumidores de terem acesso a informações sobre produtos não só é ponto pacífico em termos jurídicos como faz parte dos princípios constitucionais no que diz respeito à defesa do consumidor há bastante tempo. Tanto é assim que o próprio CDC sublinha este direito à informação:
        Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
       III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem.

Ou seja, não estamos solicitando algo que não esteja já previsto na CF. Também poderíamos acrescentar que a Constituição Federal nos agracia com o direito à Objeção de Consciência que não nos é dado exercer, porque sequer temos o direito de saber a origem da matéria prima que consumimos. E em nossa consciência optamos por não consumir produtos que tenham colaborado com a crueldade de animais.

XIV - é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional;  
O que pedimos é apenas uma informação nos produtos. Não pedimos quebra de sigilo profissional, nem acesso a informações privilegiados, apenas queremos ter o direito a saber o que nos é oferecido para consumo para termos direito à escolha e à informação.
 Mas o mais importante a trazer para reflexão é sobre a grande mudança cultural relacionada a este projeto de lei. Pesquisas apontam um crescimento exponencial de pessoas que se recusam a consumir produtos que tenham contribuído com o sofrimento e exploração animal e é preciso acompanhar esta tendência cultural na legislação e construir um mercado de acordo com esta demanda.  Sabemos que uma mudança cultural traz resistência de alguns setores da sociedade e compreendemos as dificuldades práticas desta mudança, mas é preciso avaliar para quem é feita a legislação. Os produtos são feitos para os consumidores e como vivemos num Estado Democrático de Direito, as empresas precisam atender as normas de produção de produtos para atender aos consumidores e neste caso os empresários são a minoria que lucra com estes produtos e cabe a eles mudarem de acordo com a legislação para atenderem a maioria, para quem são feitas as normas de defesa de comercialização e os produtos. Não cabe a nós mudarmos conforme a oferta; cabe a eles criarem a oferta conforme a demanda e neste caso a demanda reprimida de uma legislação que atenda este público é significativa.  Esta legislação já está atrasada em termos culturais e mesmo legal, porque é de 1988 que se fala em direito do consumidor como um dos direito humanos a ser observado em nosso país e da necessidade de transparência dos produtos. Este projeto também está atrasado se considerarmos a aceleração desta mudança cultural e a mudança em outros países.
Não podemos mais ser considerados uma ameaça de consumo para este setor; é preciso sermos considerados uma fatia crescente de mercado que exige transparência dos produtos e nos permitirem escolher não consumir produtos que tenham colaborado com a crueldade com animais.  Cabe observar que mesmo que esta lei não seja aprovada, os empresários descontentes não poderão deter a mudança cultural que exige produtos com rótulos sobre testes em animais, porque já existem empresas lucrando sem resistência com este novo mercado ao mesmo tempo em que atendem à legislação que impõe mais transparência sobre a matéria prima e conteúdo dos produtos.
Aprovar esta lei também auxilia que estas empresas mais resistentes a se adaptarem às mudanças culturais prevenindo prejuízos no futuro, caso persistam em não atender ao mercado que emerge com uma nova demanda. Cada vez mais pessoas procuram empresas que não testam em animais e no caso de cosméticos e saneantes há já várias opções. É preciso possibilitar conhecermos mais empresas e a possibilidade de consumirmos produtos de empresas gaúchas que poderiam se adequar a este perfil de consumo. Hoje conhecemos as grandes corporações internacionais, algumas das quais já colocam inclusive rótulos de “testado em animais” e outras preocupadas em informar as origens da matéria prima de forma transparente e responsável.
Hoje em dia a proibição de testes em animais em cosméticos e saneantes (material de limpeza) está alcançando vários países e mesmo em São Paulo há projeto semelhante e aprovar este tipo de legislação ajudaria estas empresas a venderem seus produtos tanto no RS como em outros mercados mais exigentes, porque na Europa se exigem igualmente informações da matéria prima e insumos dos produtos.
Repetimos que podemos entender das dificuldades práticas de modificarem esta conduta para algumas empresas que inclusive nem testam em animais, mas isto na realidade trará mais consequências positivas do que o investimento inicial em criar novos rótulos nos produtos a serem comercializados. Também gerará mais empregos, para criar setores de pessoas responsáveis em buscar informações sobre a matéria prima dos produtos, e poderá criar novas empresas que tratem destas informações, além de favorecer a criar a cultura da transparência da matéria prima no RS e no Brasil!  Isto sem falar que propiciará a inovação no uso de métodos substitutivos aos animais sem esquecer que o uso de animais não é obrigatório para estas substâncias e na realidade há entendimentos de que quando houver alternativas com métodos substitutivos estes métodos deveriam ser utilizados. Ao criar este rótulo no RS estaremos dando oportunidade a estas empresas a se adequarem para novos mercados, quem sabe, de forma inovadora em relação a outros mercados, para além do estado e do país.
Também sendo um ano eleitoral, não podemos deixar de falar das mudanças culturais e da demanda de políticas públicas que atendam este público crescente que exige o fim da crueldade para com animais e parlamentares que acompanhem esta mudança, por isto pedimos que não resistam às mudanças e atendam à vontade da maioria.
Mesmo que os ativistas da causa de defesa de animais não seja a maioria o número de pessoas que aprova o fim do uso de animais é maioria, tanto é que conseguimos derrubar um importante instituto que realizava testes em animais no ano passado, o Instituto Royal, em São Paulo, bem como o presidente do CONCEA em exercício naquele período.
Escutem o que estes eleitores pedem, e acompanhem a mudança que pede transparência e o fim da crueldade para com animais.
Muito mais poderia ser dito a este respeito, mas neste momento apenas convidamos a refletirem sobre uma nova ordem social que se constrói para que seja construída uma nova ordem jurídica que nos garanta a transparência nos produtos ao mesmo tempo em que permite o fim da crueldade com animais.

A seguir apontamos alguns argumentos para a aprovação deste projeto:
1-existem cada vez mais consumidores que não usam produtos testados em animais e este número cresce exponencialmente e em breve seremos maioria;
2-este projeto está de acordo com vários artigos da constituição que tratam da defesa do consumidor, e a necessidade de transparência, do direito à objeção de consciência e do direito de todos a viverem num ambiente ecologicamente equilibrado e o uso de animais em testes não pode ser considerado ecológico;
3-um rótulo de indicação de testes em animais auxilia as empresas a se adequarem a estas mudanças culturais impedindo que tenham prejuízo no futuro, favorecendo condições de competição com grandes corporações que já fazem indicação em rótulos ou que aboliram testes em animais;
4-a EU proíbe testes em animais para cosméticos e material de limpeza e esta tendência tem se espalhado globalmente e o que queremos neste PL é apenas um rótulo!
5-a CF proíbe a crueldade com animais e o uso de animais em testes é cruel e não é de uso obrigatório em cosméticos e saneantes, segundo a legislação atual e indicar o uso de animais ajuda a coibir o uso cruel de animais favorecendo o uso de métodos alternativos.
6-mesmo que algumas empresas peçam que a ausência de rótulos se mantenha somos em franca maioria em relação a uma minoria de empresários e cabe ao poder público atender a esta maioria que demanda novos produtos, mais do que a uma minoria que não quer ter despesas que seriam necessárias apenas num primeiro momento, sem falar que estas mudanças atendem à própria Constituição Federal;
7-os produtos com rótulos com maior transparência teriam maior penetração no mercado fora do RS e seriam mais bem recebidos por mais pessoas;
8-mesmo que a maioria das pessoas não seja ativista de defesa de animais a maioria das pessoas se importa com animais e preferirá sempre produtos que indicam se os produtos a serem consumido colaboraram com a crueldade e exploração animal e cabe aos parlamentares eleitos pelo povo atenderem a estas demandas;
9- não podemos deixar de dizer que mesmo que algumas empresas auxiliem a financiar campanhas dos parlamentares, não serão elas que trarão os votos, por mais publicidade que ajudem a produzir. No futuro, inclusive, a legislação de arrecadação de fundos para campanhas poderá mudar e estas empresas não poderão mais colaborar em campanhas, mas os eleitores vão continuar votando a partir de seus interesses ideológicos. A causa animal tem características diversas de várias outras bandeiras e pessoas que se importam com animais guardam longa memória compartilhada em rede de quem favorece os animais por muitas legislaturas!
 10-cabe às empresas adequarem-se às mudanças de mercado e não exigirem uma inércia cultural e legal da sociedade. Os consumidores não vão mudar, eles já estão mudando no sentido dos termos deste projeto, cabe aos empresários atenderem as necessidades de consumo dos consumidores;
11-vivemos numa sociedade em rede, conectada em tempo real e esta é uma causa de todos os ativistas de defesa dos animais de todo o país que compartilharão esta inovação legal pelo Brasil, seus apoiadores e aqueles que resistirem a mudar, sejam parlamentares ou empresas;
Concluo com palavras que serviram de argumento para outro projeto relacionado à questão.
“Entendemos que para algumas pessoas estas mudanças e ideias são difíceis de serem aceitas e para alguns acarretam mesmo prejuízo cultural, se não econômico, mas não há decreto que impeça que a cultura se transforme, principalmente esta que cada vez mais cria raízes em todos os lugares. Não há decreto que impeça a transformação social, ao contrário, a resistência fortalece o movimento, pois favorece mais ainda a união e a consciência sobre as questões defendidas. As resistências às mudanças sociais têm efeito contraproducente e produzem muito mais aceleração na direção das mudanças. (...) A tendência é que cada vez mais pessoas que comunguem dessas ideias ocupem vários setores da sociedade e busquem a materialização destas mudanças nas mais diferentes formas e setores da sociedade, seja através de campanhas, de manifestos, de boicotes, nas suas atividades profissionais e mesmo na política, pois mesmo parlamentares têm sido eleitos somente porque se preocupam com os animais, assim como outros têm deixado o cenário político por apresentarem projetos que regularizam ou permitem a exploração dos animais.”( retirado deste link)
Eliane Carmanim Lima, Porto Alegre 4 de agosto de 2014.




[1] Ao final estes argumentos são listados de forma prática.